terça-feira, 26 de março de 2024

Águas de março

 Campinas, 26/03/2024.


Minhas amadas e queridas Marina e Luiza,


E lá se vai o mês 03/24. 

Estava lendo minha última carta para vcs. O tempo passa rápido demais. 

Passo aqui agora para dar um beijo. Um alô! Mais uma carta na garrafa para minhas duas meninas. 

Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo por aqui. Sinto-me forte e receoso; maduro e ansioso; calmo e tenso; espiritualizado e cético; pronto e incompleto. 

Mais ou menos com ser pai de vcs sem ter as duas por perto. É e não é. Um limbo paternal.  

Só queria dizer que estou com saudade e tentando fazer algo para conseguir estar de volta perto de vcs em breve. Será que vcs rezam por mim? Eu sim, por vcs. 

Um dia vou aparecer na sua faculdade para dar um "oi". 

Amo vcs duas. Sinto uma saudade imensa.

Beijo no coração. 

Abraços sempre de urso. 

Papai 

sábado, 20 de janeiro de 2024

2024

Meus amores, olá.

Feliz ano novo para vocês duas. Que 2024 seja um ano especial e de grandes realizações para nós.

Os últimos tempos tem sido de muitas inquietações, mas também de algumas alegrias. 

Sei que nós três ficamos longe de ser uma família. Apesar de ser pai de vocês, já não temos um relacionamento significativo. Isso é uma das coisas mais tristes que eu carrego dentro de mim.    

Foi incrível receber uma ligação sua, Lu. Foi A coisa mais feliz que me aconteceu nos últimos anos. Conversar com você foi absolutamente maravilhoso. Ouvir sobre a sua vida me fez muito bem. Estou por aqui quando essa vontade acontecer novamente. 

E, pensando nessa nossa relação de pai e filhas, lembro que esta é uma época muito significativa para mim. Meu pai morreu num 24/01/1984. Eu, que costumo ser péssimo nos detalhes das memórias, consigo reviver precisamente aquele dia. E neste ano completa 40 anos da morte dele. Eu tinha 9, ia fazer 10 anos. Hoje tenho 49, perto de completar minhas 50 primaveras.

Crescer sem pai foi muito duro para mim. Claro que me virei, tive uma família incrível me ajudando, especialmente minha mãe e minha irmã. Meus irmãos foram pessoas importantes também. O Xande foi um irmão querido na infância. O Beto o irmão que me apresentou o mundo na adolescência. Deu tudo certo. Mas era meu pai, né. É natural que uma perda assim, especialmente de forma violenta, gere um vazio. E muita saudade. Uma saudade imensa.

A perda só não foi pior porque minha mãe estava separada dele e eu o via pouco. Então, já estava acostumado sem uma presença constante dele. Com a morte, a ausência só se tornou definitiva.

Recentemente me dei conta de que acabei me afastando da família do meu pai. Nada demais, apenas os caminhos da vida. Nada comparado com os motivos que nos separaram. Mera falta de proximidade, convívio. Imaginem que, se eu me sinto apartado deles, vocês duas sequer imaginam a imensa família que têm por aqui nessa linhagem.

Recentemente reencontrei um tio. Um irmão querido do meu pai. Vinha sentindo uma necessidade imensa de reencontrar a família do meu pai. Era uma coisa de sangue, espiritual. Um chamado ecoando dentro de mim. Foi difícil da gente conseguir se ver. Quando finalmente deu certo, acho que eu fiquei perdido. Senti tanta coisa naquelas horas de conversa. Engraçado que estávamos há tanto sem realmente conversar que, praticamente, apenas nos reconhecemos. Olhava para ele enquanto falávamos e via meu avô, meu pai, outros tios. Via minha família. Era tanta gente junta na minha frente que ele representava. Foi um reencontro emocionante para os dois. E isso tudo aconteceu bem na véspera desse aniversário de morte do meu pai. Só fui me dar conta disso depois do encontro.

Acho que eu passei a vida toda tentando esquecer o impacto que a perda precoce do meu pai causou na minha pessoa e no meu processo de formação. E, agora, eu não preciso mais esconder nada. Eu sofri e sofro muito pela ausência de um pai para abraçar e beijar.

Já vocês duas parecem optar por não me quererem perto. Filhas, meus amores: seu pai nunca se separou de vcs. E se foi isso que ensinaram para as duas, saibam que as ensinaram errado e de maneira maliciosa. 

Continuo aqui de braços abertos, de coração aberto, de peito aberto, de espírito livre, pronto para ser o pai que vcs possam precisar a qualquer hora. Amo muito as duas. 

Seu avô morreu trabalhando, no cumprimento do dever. Pretendo seguir a mesma carreira dele em breve, se for isso que os Deuses planejarem. 

Tem uma reportagem muito legal dele no link que lhes envio. 

Abraços de urso. Sempre e sempre. 

Beijos. Amo vcs.

Papai.


https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0702200409.htm


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Notícias do front

Minhas filhas, bom dia. 

Espero que tenham passado um ótimo aniversário.

Hoje eu acho que vou falar um pouco de mim. 

A instabilidade financeira decorrente da turbulência da minha vida profissional desde 2019 trouxe inúmeras consequências e talvez eu não esteja lidando bem com isso.

Ser mandado embora da ABAS foi um golpe duro. Quando decidi expor problemas da gestão de pessoas do meu chefe à época, não imaginei que aquilo poderia resultar em uma demissão. Realmente acreditava que havia espaço para tratar das coisas com transparência no colegiado. Claro que me enganei. E tem um detalhe interessante nessa estória. Sabia que a minha motivação foi por causa de vcs?? 

Acho que era outubro de 2018. Vcs tinham chegado de viagem dos EUA numa sexta de manhã. Eu estava louco para vê-las. Ia encontrá-las no Spiandorello, no horário de almoço. Fui trabalhar bem cedo para deixar tudo encaminhado. Era meio-dia, quando estava saindo, e o presidente do plano chegou justo naquele minuto. Claro que permaneci, então. Encaminhei o que havia de mais urgente. Expliquei a ele da situação da chegada de vcs ao Brasil e de minha ansiedade em encontrar as duas. Não pareceu que houvesse oposição. Deixei o meu encarregado de prontidão para qualquer necessidade e, por volta das 13 hs, saí para Jundiaí. 

Naquele dia, enquanto passava a tarde com vcs, recebi uma mensagem vinda do celular pessoal dele. Aparentemente, era dirigida ao grupo dos diretores e conselheiros do plano e, por engano, havia sido mandada para o meu celular corporativo. Enlouqueci ao ler que, enquanto ele estava lá trabalhando, outros não estavam. Tomei aquilo como pessoal e leviano. Logo eu, que incontáveis vezes trabalhei de madrugada, finais de semana, feriados, pulava férias, para jamais deixar algo fora do prazo ou pendente. Enlouqueci. Não raciocinei. Fiquei cego. Nem percebi que, se ele mandou errado a mensagem para mim, ninguém mais tinha visto aquilo! 

Não falei sobre aquilo com ninguém. Escrevi um requerimento direcionado a todos os dirigentes relatando o corrido, juntei o print da conversa e pedi direcionamento sobre o assunto e definição de regras de trabalho a serem adotadas internamente, bem como outras questões trabalhistas diversas. Peguei assinatura de todos os demais empregados no requerimento, que entenderam a situação e me apoiaram nos pedidos. Mandei para todos os dirigentes, para o Ouvidor do plano, e protocolei o original diretamente com o Dr. Sotero, tudo na semana seguinte. Jamais ele se pronunciou sobre a questão diretamente comigo. Bastante tempo depois, levou o assunto para uma reunião de dirigentes no final de novembro e, sumariamente, demitiu-me. Apenas o Dr. Gerson teve voz divergente. 

Ele queria que eu parasse de trabalhar de imediato. Tipo "pegue suas coisas e rua". Eu sou tão bonzinho que expliquei para ele que eu não poderia parar de trabalhar tão abruptamente, sem prejuízo ao plano. E fiquei lá, fazendo a transição de tudo para ele. 

Mas vejam só: mexer com o meu precioso tempo com vocês causou uma reviravolta incrível na minha vida. Sabe aqueles 10 dias duas vezes por ano (que nunca foram 10 dias)?? Aquilo foi tão injusto e incorreto que eu tomei uma atitude extrema, impulsiva e de baixa reflexão. Meu Deus! Entre salário e benefícios eu recebia quase 25 mil mês em 2018. Arrisquei tudo para defender uma pseudo honra pessoal e o meu tempo diminuto com vocês. E perdi, claro. 

Vou almoçar na tia Lucila agora. Ela mudou para Nova Odessa. Ficar perto do Uli. Vamos conhecer a casa dela. Vou continuar essa carta outra hora. Essa história está só começando. 

Um beijo. Estejam bem. 

Maurício

   

   


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

19 anos

Marina e Luiza, olá. 


Hoje comecei meu dia mandando uma mensagem às 6h30 para vcs. 

Depois liguei às 9h32.

Então liguei às 11h55.

Novamente às 14h26 e 14h52.

Tentei ainda às 19h15, às 20h20 e 23hs.

Ninguém me atendeu. Ninguém me retornou. Ninguém me disse que horas eu poderia ligar para falar uma palavra diretamente. 

A Luiza, bem no final do dia, respondeu o WhatsApp: "Oi! Obrigado!". Mas recusou minha ligação quando liguei em seguida.  

Sei lá. Falar o quê?

Mas, hoje o que sinto não importa.

Parabéns, meninas. Desejo tudo de melhor para vcs. 

Que Deus proteja e ilumine o caminho das duas. 

Um beijo com amor de um pai degredado. 

sábado, 4 de novembro de 2023

Noites de ventania

Meus dois amores, boa noite. 


Escrevo para vocês duas de um lugar triste. De um lugar onde filhas não abraçam pais. 

Meu Deus, que fardo é este que tu me deste? Que dor isso é para mim. Sinceramente queria que fóssemos instrumentos de algo bom. 

Nosso caminho não é fácil e já não sei mais qual a intenção ou pensamento de vcs sobre mim, sobre vocês como filhas nessa relação, sobre o que houve entre nós e as forças que tensionaram essa história.  

Eu nem posso dizer que tenha mais contato com vcs. Nosso relacionamento está absoluntamente destruído. 

E, mesmo assim, sinto-me completamente ligado a vcs duas. 

Fico sempre esperando notícias. Aquela palavra de retorno.

Só lhes desejo bem. 

Saudades de todos nós juntos. 

Talvez fizesse muita diferença. 

Um beijo para as duas. 

Papai 


terça-feira, 5 de setembro de 2023

Meu trabalho

Olá, meninas. 

Quanto tempo. Nem sei por onde começar. 

Na verdade, o melhor seria dizer recomeçar. 

Estamos completamente distantes. Separados, mesmo. Na verdade, separados e distantes estamos há muito tempo, desde que vcs sairam do Brasil e estiveram submetidas a uma influência negativa sobre a minha pessoa. Hoje vcs já não me atendem, não falam comigo, não dão um "oi", consideram-me um ser vil e desprezível. Rejeitaram completamente a minha paternidade. E sequer acham que precisam dizer por qual motivo as coisas chegaram neste ponto. 

O que eu deveria fazer? Brigar com vcs? Obrigá-las a me dar alguma satisfação? Obrigar que venham me visitar? Nunca foi minha linha de atuação.    

Nesse momento, estamos mesmo, da parte de vocês e para comigo e com toda minha família, que é de vocês também, inclusive sua avó, que é uma senhora idosa que só faz amá-las, completamente apagados das suas vidas. Sinceramente, nesse sentido sinto vergonha da atitude de vocês. Vê-se que não cresceram sob minha influência. E foi justamente desse outro entendimento de mundo que vocês foram privadas. Ao mesmo tempo, eu não as culpo, porque as amo e porque sei que isso é algo que foi aprendido, influenciado. Triste. 

Tenho abafado completamente o meu amor. É difícil viver essa morte em vida que vocês estão me impondo.

Sua mãe quer ser intermediária da nossa relação. Acho muito triste que a minha relação com a Cintia apresente os problemas que registra desde o primeiro instante da separação. Mas o controle da minha vida através do acesso a vocês duas foi uma atitude bastante repugnante. Não consigo - nem nunca consegui - conviver com isso. E olha que eu tentei e me submeti muitas e muitas vezes. E, sempre que me rebelei, ela me fez pagar o preço, através da manipulação das duas, das situações e dos acessos. Um dia vcs vão entender isso. Pena que seremos velhos demais para recuperar tudo que perdemos. Hoje eu penso que talvez eu nem esteja mais vivo quando esse dia chegar. Ainda bem que eu acredito que a vida não termina nessa passagem.      

Estou ajudando a tia Inês e uma sócia dela com um novo negócio. Elas estão "construindo" uma faculdade. É isso mesmo: uma faculdade. E sabe do que mais?? Acabaram de credenciar a faculdade em si e aprovarem dois cursos superiores: enfermagem (!) e psicologia.

Estive presente na reunião final da auditoria de avaliação do curso de enfermagem e, conversando com as avaliadoras (que eram enfermeiras), contei que as minhas filhas tinham acabado de entrar na faculdade (de enfermagem). Comentei que não sei nada sobre como está sendo essa experiência, nem como vcs tomaram essa decisão. O detalhe é que vcs nem sabem que eu estou trabalhando com o nascimento de uma faculdade dessa área. Por isso decidi escrever um pouco sobre o meu trabalho no dia de hoje.   

Bom, além disso, também estou começando a advogar sozinho. Entrei com a minha primeira ação cível esses dias. Minha primeira cliente foi a tia Vivi kkkkkkkk. O plano de saúde dela não tava querendo cobrir um exame que ela precisa muito. Tive um resultado positivo. Consegui uma decisão favorável para ela. Foi muito legal. Ela realmente precisa muito disso.

Eu e a tia Inês também estamos advogando juntos, mas na área trabalhista, de diretos humanos. Trabalhamos com pessoas resgatadas da situação de escravidão contemporânea. Talvez, um dia, vcs se interessem por conhecer isso e entender melhor do que estou falando. Não imagino como seja a situação dos EUA nesse particular. 

Segue uma reportagem para vcs entenderam a situação do Brasil nesse sentido do trabalho em condição análoga à escravidão:

https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2023/09/05/maior-operacao-de-combate-a-escravidao-do-pais-resgata-532-em-21-estados.htm

Antes que vocês pensem ou falem algo neste sentido, infelizmente ainda não ganhei nem um centavo advogando, e o salário que recebo fazendo a gestão da faculdade da sua tia mal dá para as contas do mês. São apostas ainda filhas, retomadas de vida. Investimentos em estudos e na construção de uma nova carreira ainda. Tudo de melhor que estou podendo fazer estou fazendo, espero que tenham noção disso. No meu íntimo, fico impressionado por precisar me justificar toda vez que toque nesses assuntos, diante da manipulação das coisas a que estou submetido. 

Queria falar um pouco do meu trabalho e das coisas aqui. Algumas coisas tristes aconteceram aqui recentemente também, que me remeteram muito a vocês duas. Mas isso não importa. Só queria falar um pouco do que tenho feito.

Minha vida tem sido difícil. Mais ainda com a rejeição de vcs. Mas sigo firme e esperançoso de tempos melhores. Vamos esperançar, como dizia Paulo Freire. 

Beijos. Amo vcs. Espero que estejam tendo um excelente começo de faculdade. 

Que Deus as proteja. 

Papai

O urso-pardo do mau

domingo, 21 de maio de 2023

Carta de aniversário para o Will

Minhas filhas, olá. 

Escrevi uma carta hoje para um amigo. Ela fala um pouco sobre mim no dia de hoje. Achei interessante mandá-la para vcs saberem um pouco sobre mim também. 

Um beijo com muito amor. Queria muito abraçar vcs duas hoje. Estou as abrançando em meus pensamentos. Amo vcs duas. Papai.


Meu caríssimo Will, bom dia. Para mim é sempre uma alegria receber o seu feliz aniversário. Aliás, eu não sei se já marquei o seu aniversário... que dia que é? Obrigado pelas felicitações. Por aqui está tudo bem, Will. Surpreendentemente, hoje está sendo um dia muito gostoso. Normalmente eu não gosto de aniversário. Para mim é época de reavaliação pessoal. Fechamento para balanço. Nunca tive isso em ano novo, mas sempre em aniversário. Não gosto de festa nesse dia. Gosto de olhar para dentro, de ficar calmo, de pensar e refletir. Mas hoje me sinto tranquilo, e isso é bom. Apesar de muita coisa desarrumada, estranhamente tudo parece que vai estar logo no lugar. Quando arrumamos um armário, primeiro é preciso tirar tudo de dentro. Estou mais ou menos assim. Mas está tudo bem, sob controle. Não estou mais somente advogando. Deixei o escritório do meu cunhado e estou trabalhando com a Inês em uma escola técnica que estamos reabrindo em Campinas. Imensa, um prédio histórico, uma história bonita. Estamos advogando juntos também, mas com direitos humanos. Escravidão moderna; representamos resgatados de situação análoga à escravidão. É uma cruzada quase. Nenhum dinheiro, muito trabalho e grandes esperançs. A Vivi está bem. Ela tem sequelas do procedimento Will, pequenas felizmente, mas perceptíveis para mim. E, por certo, para ela. Mas ela me ensina a cada dia uma bravura, coragem, companheirismo e tranquilidade que são admiráveis. Cada dia uma nova vitória. Minhas filhas estão longe, caladas, mas continuo buscando uma aproximação. Voltei a conversar com a mãe delas agora. E, quando isso acontece, elas tendem a ficar mais flexíveis comigo. Vão para a faculdade no segundo semestre. Em princípio estudar enfermagem, mas podem mudar no caminho. Como mencionei, estou recomeçando mais uma vez profissionalmente. Com grandes promessas, mas desafios e dificuldades ainda maiores. Acho que as dificuldades fazem parte da minha jornada. Estou empenhando e aproveitando ao máximo as experiências. Está tudo sob controle no geral. Preciso emagrecer, como sempre. A boa e farta mesa ainda é meu grande pecado e prazer. Estou vivo, em pé, forte e lutando. Obrigado pela lembrança, pelo carinho, pelas palavras. Sinto uma forte e inexplicável ligação com vc. Apesar da distância, da falta de identificação com algumas visões de mundo, há uma amizade sincera profunda enraizada no meu ser pela sua pessoa. Espero poder te encontrar pessoalmente em breve. Recebe meu fraterno e querido abraço. Patão.