sábado, 9 de abril de 2022

A crônica do Samer Agi

Paternidade Angustiada

A paternidade é o mais delicado conflito íntimo que carrego em minha vida. E, talvez, uma existência seja pouco para resolver definitivamente esta questão.

Sou o filho temporão de um homem forte e complicado, que viveu longe de casa na minha primeira infância, separou-se de minha mãe definitivamente na segunda e acabou violentamente assassinado na terceira. O tempo aliviou-me do peso da dor da sua perda e o perdão da raiva do facínora. Apenas incomoda o pedaço da carne que falta e me foi arrancada. A dor do membro fantasma é tal como a falta de um pai na minha vida. E, pelo visto, tornou-me alguém que não sabe exercer a própria paternidade.

Tenho duas lindas meninas. Hoje, duas belas moças. Duas gêmeas totalmente diferentes e umbilicalmente unidas para sempre. Mas a verdade é que só as tive porque se arrancou da minha entranha o sêmen que as gerou. Acho que o medo de exercer a paternidade possivelmente me impediu de seguir o fluxo regular da procriação natural e leve. Vivemos longe desde a primeira infância delas. Há algum tempo elas já demonstravam comportamentos esquisitos em relação a mim, como não me aceitarem em seu círculo de amizades em redes sociais. Hoje a situação está em tal ponto que elas sequer falam comigo.   

Também sou o “tio” de uma jovem mulher que recém ingressou na fase universitária. Nunca me intitulei “pai” dela, pois há um pai presente na vida dela, que eu respeito e preservo a figura porque sei como isso é importante. Coisas, aliás, que sinto que não tiveram o mesmo cuidado comigo em relação as minhas filhas. Bem, mas o caso é que a minha enteada agora fala comigo sobre como a arte e a natureza influenciam as formas dos edifícios dos mestres da arquitetura. Ela ainda não sabe o quanto fico orgulhoso quando ouço suas explicações. Ela também não conhece o meu “abraço de urso”.

Aprendi nas aulas de antropologia que mães colocam filhos no mundo, mas são os pais que apresentam o mundo aos filhos. Espero que possa mostrar alguma coisa boa para as minhas, sejam as de sangue, seja a do coração. Se não for possível mostrar nada pessoalmente, pretendo – pelo menos – deixar alguma coisa por escrito. Uma carta na garrafa da minha relação atormentada com a paternidade.