Paternidade
Angustiada
A
paternidade é o mais delicado conflito íntimo que carrego em minha vida. E,
talvez, uma existência seja pouco para resolver definitivamente esta questão.
Sou
o filho temporão de um homem forte e complicado, que viveu longe de casa na
minha primeira infância, separou-se de minha mãe definitivamente na segunda e acabou
violentamente assassinado na terceira. O tempo aliviou-me do peso da dor da sua
perda e o perdão da raiva do facínora. Apenas incomoda o pedaço da carne que
falta e me foi arrancada. A dor do membro fantasma é tal como a falta de um pai
na minha vida. E, pelo visto, tornou-me alguém que não sabe exercer a própria
paternidade.
Tenho
duas lindas meninas. Hoje, duas belas moças. Duas gêmeas totalmente diferentes
e umbilicalmente unidas para sempre. Mas a verdade é que só as tive porque se
arrancou da minha entranha o sêmen que as gerou. Acho que o medo de exercer a
paternidade possivelmente me impediu de seguir o fluxo regular da procriação natural
e leve. Vivemos longe desde a primeira infância delas. Há algum tempo elas já
demonstravam comportamentos esquisitos em relação a mim, como não me aceitarem
em seu círculo de amizades em redes sociais. Hoje a situação está em tal ponto que
elas sequer falam comigo.
Também
sou o “tio” de uma jovem mulher que recém ingressou na fase universitária.
Nunca me intitulei “pai” dela, pois há um pai presente na vida dela, que eu
respeito e preservo a figura porque sei como isso é importante. Coisas, aliás, que
sinto que não tiveram o mesmo cuidado comigo em relação as minhas filhas. Bem,
mas o caso é que a minha enteada agora fala comigo sobre como a arte e a
natureza influenciam as formas dos edifícios dos mestres da arquitetura. Ela ainda
não sabe o quanto fico orgulhoso quando ouço suas explicações. Ela também não
conhece o meu “abraço de urso”.
Aprendi
nas aulas de antropologia que mães colocam filhos no mundo, mas são os pais que
apresentam o mundo aos filhos. Espero que possa mostrar alguma coisa boa para
as minhas, sejam as de sangue, seja a do coração. Se não for possível mostrar
nada pessoalmente, pretendo – pelo menos – deixar alguma coisa por escrito. Uma
carta na garrafa da minha relação atormentada com a paternidade.