quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Vazio

Oi, Má! Oi, Lulu! Bom dia! 

Espero que vcs duas estejam bem. 

Na minha última carta disse que sentia um grande vazio. Mas era o dia do aniversário de vcs e não era momento para falar de angústias. 

Entretanto, acho que agora é hora de falar um pouco de algumas coisas que precisam ser ditas.

Liguei para você, Luiza, há 3 semanas. Como de costume, você não atendeu. Mas foi com alegria que recebi sua mensagem dizendo que iria me retornar a ligação. Até agora estou esperando.

Já você, Marina, eu não me lembro quando foi a última vez que trocamos alguma palavra. Na verdade, não me lembro quando foi a última vez que vc falou comigo. Já faz muito mais que dois anos. Ainda tenho na mente a memória do nosso almoço no restaurante japonês de Jundiaí, da última vez que nos vimos, e da frieza (e mesmo maldade) com que vc me tratou. Acho super triste ter essa memória sua. Memória de uma filha que faz questão de me tratar mal.  

Bem, apesar de me dizerem que não devo focar nisso, fico tentado a dizer que não admiro esta parte da personalidade das duas, que simplesmente não oportuniza uma conversa sincera sobre as raízes desse distanciamento.

Sou seu pai e isso não vai mudar. Negar isso não parece muito razoável. Também não abandonei ninguém e a crença nesse discurso é uma burrice, perdoem-me a sinceridade. Viver como se eu não existisse me parece uma coisa meio doentia e este silêncio comigo é uma coisa de gente "esquisita". Não tenho admiração por essa nuance de vcs duas. E me preocupa muito o equilíbrio emocional de vocês, que optam por viver com se não tivessem um pai e toda uma família ao sul do equador. 

Acho que vcs já são bastante adultas para refletir sobre isso. Ficar "chovendo no molhado" não faz mais sentido. Ou vcs são minimamente maduras do alto dos seus 20 anos e têm capacidade de compreender as implicações de seus comportamentos ou vão passar a vida fingindo que têm a vida feliz construída no suburbio americano.

O tempo passa, as pessoas morrem e as oportunidades passam quando não as agarramos.  

Já não faz mais tanto sentido para mim chorar por vocês. Minhas lágrimas secaram. E a atitude de vcs me mostra que eu não sou lá tão problemático assim. Por incrível que pareça, lido com coisas tão ruins quanto a ausência de vcs duas todos os dias da minha vida. Apesar de tudo, apesar de todas as adversidades que enfrentei e enfrento, encontrei uma resiliência e uma força imensa íntimas para lidar com este tanto de problemas e frustrações que já consigo enxergar que o que há de mal entre nós não vem de nós, mas que apenas nós podemos querer nos encontrar. Mas é preciso querer. A minha porta está aberta, cabe as duas querer cruzar essa linha. 

E querer cruzar a linha representa um desejo, um desejo que eu não posso exigir de vocês duas. Eu não posso obrigar ninguém a me amar, a querer compartilhar a vida comigo, a querer compartilhar da minha existência vã e sem relevância (senão para mim mesmo). Eu sou uma gota no oceano da história. Mas sou, também, um oceano na história de vcs duas. Ignorar-me é uma tolice. Uma sandice. 

Preocupa-me pensar que as minhas filhas escolhem diariamente ignorar a existência do pai, que mora longe, mas não é ausente e busca contato constantemente. E, superada a questão íntima da minha parcela de culpa nessa rejeição, acho que é meu papel dizer que está na hora de vcs crescerem e pararem de boicotar a sua própria história e origem. E, em especial, pessoas que as querem tão bem. 

Tudo isso que escrevo é só mais um monte de palavras ao vento, porque faz parte dessa loucura da relação que vcs têm comigo ignorar, inclusive, esse blog. 

Qualquer hora vou até os Estados Unidos visitar as duas. Espero que me recebam. 

Um beijo. Cuidem-se. 

Papai